No fim dos anos de 1960, três jovens amigos músicos, mineiros de nascimento, andavam incomodando vizinhanças com seus ensaios em alguns apartamentos onde moraram juntos na Zona Sul do Rio de Janeiro. Em busca de paz para trabalharem em suas composições, eles resolveram se mudar e alugaram uma casa isolada, à beira da praia de Piratininga, em Niterói. E o ambiente encontrado por ali possibilitou que essa união começasse a dar forma a um dos discos mais importantes da história da música brasileira: o álbum duplo “Clube da Esquina”, lançado em 1972.
Em um vídeo que emocionou milhares de pessoas, e que deu início à série “Histórias pra morar”, o QuintoAndar trouxe um depoimento de um desses músicos, ninguém menos do que Milton Nascimento, o Bituca, que falou sobre o prazer de morar com amigos naquela época e sobre como foi importante esse contato mais próximo para a composição desse disco que dificilmente fica de fora de qualquer top 10 dos melhores da música brasileira em todos os tempos.
“Há pouco mais de cinquenta anos, esse lugar fez a diferença para mim. Foi nessa casa que eu, Lô Borges e o Beto Guedes moramos juntos. Três amigos naquele sobrado enorme, fincado na areia, na beira do mar. O lugar era perfeito pra tocar. Eu não só ouvia música ali. Eu respirava ela. E com aquela inspiração maravilhosa bem na nossa frente, um mar azul incrível. Se não fosse essa casa, acho que a gente não teria criado um disco tão importante quanto o Clube da Esquina”, contou Milton, em um vídeo feito para o QuintoAndar.
Assista ao vídeo completo a seguir:
Mar Azul: a casa em Piratininga
Em seu livro “Os sonhos não envelhecem: histórias do Clube da Esquina”, o compositor Márcio Borges – coautor de diversas músicas do álbum e primeira pessoa a incentivar Milton a compor – conta um pouco sobre como era a casa de frente para a praia em Niterói, onde Milton, Lô e Beto foram morar.
“A casa enorme, de estilo bizarro, com varandas em arco e colunatas, erguia-se apoiada num pedaço de rochedo saliente da encosta coberta de vegetação tropical. Atingia-se a praia por um longo lance de escadas estreitas. De uma das varandas, repleta de vasos com folhagens e samambaias, via-se, à direita, a pequena enseada aninhada num U feito de pedras e areia branca, e adiante, o mar aberto e, do outro lado da baia, as montanhas do Rio de Janeiro a encerrar o horizonte. Á esquerda, a praia de Piratininga espichava seus quilômetros a perder de vista, entre o Atlântico e a lagoa assoreada. O recanto era chamado de Mar Azul pelos pescadores. Afinal, tinham alugado aquele casarão, a despeito das lendas locais que consideravam o lugar mal-assombrado”, conta Márcio Borges em seu livro.
Moradores e visitantes compositores
Além dos três moradores músicos, Hélcio Jacaré, primo de Milton, também dividia o espaço. E a população frequentemente aumentava conforme outros amigos músicos e compositores, com participação decisiva na idealização de “Clube da Esquina”, chegavam à casa para visitar.
“Ali seria o QG da turma, durante a batalha do disco duplo. Logo foram chegando os outros, Rubinho e Sirlan, de Belo Horizonte, Wagner Tiso, Tavito, Roberto Silva e Luís Alves, vindos do Rio. Às vezes, os ensaios iam até tarde e uma porção deles dormia lá, mas no dia-a-dia a casa era mesmo habitada por Bituca, Lô, Beto e Jaca. De manhã bem cedinho, Bituca tirava todos da cama, para um mergulho no mar. Ronaldo (Bastos) e Cafi também frequentavam o local”, completa Márcio Borges em outro trecho de seu livro.
Uma casa que estimulava a criatividade
Em um papo com seu irmão Márcio Borges, durante uma live feita em julho de 2021, pelo canal do Bar do Museu Clube da Esquina, Lô Borges também falou um pouco sobre como era morar na casa de Piratininga e como essa fase foi decisiva para o nascimento do disco.
“Fomos morar no Rio. Moramos em vários lugares no Rio, em várias locações. Éramos expulsos de quase todos os prédios onde moramos, em vários bairros da Zona Sul. Até que o empresário do Bituca arrumou uma casa em Piratininga, em Niterói. A gente foi pra essa casa e nessa casa a gente teve paz para compor, sem vizinho enchendo o saco. E foi bem bacana morar com o Bituca, o Beto e com o Jacaré – Hélcio Romero – primo do Bituca. Eu compunha em um quarto e o Bituca compunha em outro quarto. E o Beto visitava um num quarto e depois o outro. Ficava igual médico visitando pacientes. Foi muito legal e eu gosto muito de lembrar dessa época. Piratininga foi realmente um lugar sensacional, onde a gente exerceu muita criatividade”, contou Beto.
Veja o depoimento de Lô no vídeo abaixo:
Milton e a família Borges: um encontro para a vida
Milton Nascimento, à época da gravação de “Clube da Esquina”, já era reconhecido como uma das principais vozes da música brasileira. Os outros dois, Lô e Beto, dez anos mais novos, hoje são igualmente consagrados e ocupam seus lugares de destaque no panteão dos grandes compositores brasileiros. Mas não eram conhecidos e foram uma aposta de Bituca, encantado com o talento dos dois garotos fanáticos por Beatles.
O nome do disco nasceu da boca de Dona Maricota, mãe de onze filhos de uma família muito musical que tinha, entre os irmãos, Márcio Borges e o mais novo Lô. Ela chamava de “Clube da Esquina” o grupo de amigos, do qual alguns de seus filhos faziam parte, que se reunia para fazer cantoria até altas horas na esquina das ruas Divinópolis e Paraisópolis, no bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte, onde a família morava.
Ao ter a ideia para o álbum, Milton Nascimento decidiu fazer uma homenagem a esse grupo de amigos, que conhecera anos antes, quando Bituca se tornou uma espécie de 12º filho da família Borges. Todos moravam no Edifício Levy, no Centro de Belo Horizonte. Ele, em uma pensão no quarto andar, e a família que praticamente o adotou em um apartamento no 17º.
Início das amizades
Foi na escadaria do Edifício Levy, por sinal, que Lô, aos dez anos de idade, teve um encontro casual e se encantou com a voz de Milton, à época com 20 anos, que tocava violão e cantava um dia com amigos.
Casual também foi o encontro de Lô com Beto Guedes. Quando ainda tinham dez anos de idade, Lô estava na rua, próximo ao Edifício Levy, quando avistou Beto passando em um patinete pelo qual se apaixonou. Ele convenceu o garoto desconhecido a trocar o patinete por uma coleção de moedas. E dali nasceu a outra amizade que seria decisiva para a criação do histórico disco “Clube da Esquina”.
Morar com amigos
De acordo com uma pesquisa do QuintoAndar, 12% das pessoas se mudam para morar com amigos. Não é sempre que esse tipo de encontro provoca uma mudança cultural de âmbito nacional, como a criação de um disco como o “Clube da Esquina”, mas sem dúvidas provoca mudanças pessoais em quem passa por esse tipo de experiência.
Muitas pessoas fazem isso na juventude – e muitas vezes pela necessidade de dividir as contas. Ao alugar um imóvel pelo QuintoAndar, se você não tem renda suficiente para ter seu crédito aprovado, é possível juntar com outras pessoas e, com a soma dos valores, compor a renda para a locação. Tudo isso sem burocracia nenhuma.
Então, que tal colocar o “Clube da Esquina” para tocar e buscar um imóvel para morar com amigos pelo QuintoAndar?
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